o pobre tolo

"O pobre arrefeceu, treme, encolhe-se todo, quase se esconde na sua intimidade misteriosa. Sepultou-se no seu próprio coração. É apenas uma sombra, um sentimento a recortar-se num perfil (...).
É um fantasma, só memória. Anda descalço e em cabelo; e por isso é tolo e meio poeta. Põe-se a evocar o Passado; e esta evocação é uma névoa que lhe transtorna o juízo e escurece as cousas que se ilimitam e aumentam de tamanho, como aparições prodigiosas. O mundo sente-se transfigurado, sobrenatural, sob os olhos mágicos do tolo. E o tolo tem medo à sua obra! Tem medo e canta para espalhar. Bóia nas ondas do seu canto. Lá vai nas ondas; é um floco de espuma, irisado e trémulo. Por ele espreita a alma do mar, a alma das funduras tenebrosas... (...)
E o tolo canta embriagado de luz, embebido num sonho branco de esplendor. É um floco de espuma. Bóia nas águas do seu canto. Bóia, flutua, cisma... Tanto se abstraiu e devaneou nas nuvens que se converteu numa nuvem.
O tolo é silêncio e luar...

A loucura mansa é uma nuvem.(...)

O tolo é uma sombra do que foi; uma sombra viva, só memória (...), uma espécie de animal esquecido ou oculto sob uma camada de gesso que o aperta e subordina a uma certa forma imposta pelos escultores da sociedade: os juízes e os carrascos."

Teixeira de Pascoaes, O Pobre Tolo





Por alguma razão (mais ou menos tola) associo A Dança dos Dwelling ao Pobre Tolo e esta banda sempre me remeteu para o Pascoaes... Um e outros já não estão por cá. A banda porque se desfez, sem retorno. Pascoaes porque nos deixou a viver de Saudade em 1952. Um e outros continuam a fazer tanto, tanto sentido... Principalmente em dias de nuvens e sombras!

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